domingo, 15 de julho de 2012

Produção e acesso a alimentos no Brasil: próximos do precipício e distantes das soluções 

Marcos Pedlowski, artigo publicado na Revista Somos Assim 253


A vida é cheia de fatos prosaicos que se tornam naturalizados e passam por nós como se fossem algo que raramente deva ser objeto de questionamentos. Tomemos por exemplo a compra de alimentos: seja qual for a classe social a que a pessoa pertença é considerada natural a ida a um determinado estabelecimento comprar aquilo que nossas posses permitam para processar e ingerir. Mas não há nada de natural na oportunidade de se comprar alimentos desde que estes se tornaram apenas mais um dos dispositivos controlando a geração e concentração da riqueza.

Apesar dessa relação entre alimentos e acumulação de riqueza ter sido iniciada há quase três mil anos, quando os primeiros humanos se sedentarizaram para praticar a agricultura, foi no Capitalismo que ela se aprofundou. Recentemente, houve uma passagem que quebrou ainda mais a noção de que garantir o acesso a alimentos é uma das tarefas básicas de qualquer Estado, qual seja, o avanço da financeirização da agricultura e a consequente entrada dos alimentos no ciclo vicioso da especulação financeira. O impacto disto é extremamente trágico para os mais pobres, pois com os preços dos alimentos sendo controlados pelo processo de especulação houve também uma corrida desenfreada de grupos financeiros globalizados para controlar a propriedade da terra, especialmente nos países de economia periférica.

Ainda que a corrida pela aquisição de novas terras esteja atualmente concentrada no continente africano, o Brasil não está fora deste processo. Para piorar esta situação, até recentemente o controle sobre a venda de terras para indivíduos e corporações estrangeiros era praticamente inexistente, e mesmo após a decisão de estipular limites para este tipo de transação, o fato é que nada de prático foi feito pelo governo federal para deter este processo. Assim, mesmo em áreas onde a propriedade de terras é proibida a estrangeiros, como nas faixas de fronteira, as evidências existentes indicam que o processo de transferência continua.

Mas, como eu sempre digo, não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar ainda mais. Assim, se analisarmos o que anda acontecendo naquilo que ainda é nacional, não haverá motivos para tranquilidade. Se começarmos olhando apenas a extrema dependência da balança comercial brasileira dos produtos agrícolas que hoje ocupam as nossas melhores terras, veremos que isto nos coloca numa posição de extrema fragilidade frente à produção de alimentos para a nossa população. Deste modo, não deveria surpreender a ninguém que o Brasil esteja precisando importar quantidades cada vez maiores de itens que até poucos anos eram produzidos internamente. O caso mais emblemático é o do feijão, onde um dos maiores fornecedores brasileiros é a China. Mas a lista não para no feijão, abrangendo arroz e até banana! Em outras palavras, o que estamos presenciando é um grave momento de desabastecimento de alimentos que compromete a nossa segurança alimentar e até nossa soberania nacional.


Diante de tal quadro seria lógico e racional que o governo Dilma estivesse voltando todo a sua atenção para o fortalecimento da agricultura familiar e para a retomada da reforma agrária. Afinal, dados do Censo Agropecuário de 2010 do IBGE mostram que são os agricultores familiares e os assentados de reforma agrária que respondem por 70% da produção dos principais itens que compõem a dieta básica dos brasileiros. Mas não é isto que vem ocorrendo, e a aposta continua sendo feita no fortalecimento do latifúndio agroexportador. Além disso, os sinais que emanam do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrária (MDA), e pela boca do próprio ministro Pepe Vargas, é de que não há qualquer intenção de retomar até mesmo o tímido processo de distribuição de terras que vigorou nos dois mandatos de Lula. A situação é tão dramática que os servidores do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) estão vindo a público denunciar o desmonte da instituição.

Para completar este quadro preocupante, agora vemos uma onda de denúncias ancoradas numa pretensa agenda ambiental que procura impingir uma face de destruidores do meio ambiente aos assentados empurrados pelo governo federal para o interior da Amazônia. O principal expoente deste ataque é o Ministério Público Federal que, em pelo menos três estados amazônicos, vem impetrando ações contra o INCRA no processo de instalação de assentamentos sem o devido processo de licenciamento ambiental. Não bastassem as evidências de que grandes corporações poluidoras obtém com uma velocidade incrível as licenças que para os assentamentos demoram décadas, o fato é que a criação de assentamentos na Amazônia é rejeitada pelo próprio MST, que defende a desapropriação de latifúndios improdutivos em outras partes do Brasil.

O mais trágico é que agora a China, tida como a salvação da lavoura do modelo exportador de commodities brasileiro, dá sinais de que não apenas diminuirá suas importações, mas também que suas gigantescas corporações de aço e minério vão começar a operar na produção de alimentos. Só uma dessas corporações, a Shanxi Coking Coal Group, planeja construir um frigorífico capaz de abater dois milhões de porcos por ano. Do jeito que as coisas vão, corremos o risco de ter de comer torresmo sentados em montanhas de minério de ferro encalhado.