quarta-feira, 14 de março de 2012

Cabral e as remoções


Por João Batista Damasceno: 

Rio - Pedro Álvares, o Cabral, em 1500, a serviço do capital mercantil, apossou-se em nome do Rei das terras de Pindorama e possibilitou o processo de escravização ou expulsão dos legítimos ocupantes da terra.

A abolição da escravatura em 1888 propiciou a vinda para o Brasil do excesso de mão de obra da Europa, liberada pelo advento de novas técnicas de produção, e vieram boias-frias e sem-terras da Itália, da Alemanha, da Espanha e da Suíça para a alegria dos cafeicultores. Guimarães Rosa, em ‘Sagarana’, descreve a vida dos espanhóis imigrantes que ‘compraram um sítio de sociedade. E fizeram relações e se fizeram muito conceituados, porque, ali, ter um pedaço de terra era uma garantia e um título de naturalização.’ Mas o mandonismo dos coronéis na Primeira República não permitia sequer a aquisição e manutenção da propriedade daqueles que lhes fossem indesejáveis e o Major Anacleto convocou seus ‘cabras’ um serviço: “Estevam! Clodino! Zuza! Raimundo! Olhem: amanhã cedo vocês vão lá nos espanhóis, e mandem aqueles tomarem rumo! É para sumirem já, daqui!... Pago a eles o valor do sítio. Mando levar o cobre”. “Se a espanholada miar, mete a lenha. Se algum quiser resistir, berrem fogo”.

Monteiro Lobato em ‘Urupês’ denunciou que não se usava recurso legal contra o caboclo, a quem se toca como se toca um cachorro inoportuno ou uma galinha que vareja pela sala.

No contexto do mandonismo, os ‘cabras’ é que promoviam as remoções, a serviço do interesse dos seus senhores. Hoje o Estado se encarrega do serviço por suas instituições. Em Pinheirinho não as faltaram, nem faltam no Rio. Em São João da Barra, para construção do Complexo Portuário do Açu, o mando local também dá seu recado para agricultores que vivem e plantam a terra há gerações: ‘Sumam daí já. Pago o valor do sítio. Não mando o cobre, mas deixo depositado em juízo, para quando regularizarem os inventários dos seus avós’.

O poder econômico hoje tem os seus ‘cabras’, tal como o capital mercantil tinha Cabral, em 1500.

João Batista Damasceno é cientista político e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia