quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Pesquisas multidisciplinares comprovam os danos da queima dos canaviais à população e fornecem novos argumentos para pôr fim à prática no Brasil


Não é de hoje que a população do interior de São Paulo sofre com a fumaça que vem das queimadas nos canaviais. De maio a novembro, quando uma boa parte dos produtores de açúcar e álcool põe fogo nas plantações no noroeste paulista, os moradores da região já sabem de cor o resultado – os olhos ardem e lacrimejam, o nariz escorre, a garganta fica irritada.

Com a expansão do cultivo pelo país, o problema saltou dos prontos-socorros para a academia e passou a mobilizar, ao longo da última década, uma rede de cientistas nacionais e estrangeiros de áreas diversas como Epidemiologia, Química Ambiental e Genética. Os resultados desses estudos começam agora a explicar esse quadro.

Descobriu-se, por exemplo, que a fuligem emitida pela queima de biomassa, em especial suas partículas finas (conhecidas como MP10, ou seja, menores do que 10 micrômetros) e ultrafinas (ou MP 2,5, menores do que 2,5 micrômetros), contém substâncias que podem causar, além de doenças respiratórias, também distúrbios cardiovasculares e até câncer.

Esta última relação foi observada em um trabalho da pesquisadora Mary Rosa Marchi, do Instituto de Química da Unesp em Araraquara, cidade literalmente cercada por extensas áreas de cultivo de cana-de--açúcar. Especialista em química ambiental, há 19 anos ela investiga a composição orgânica do material particulado proveniente da queima de cana, que inclui material particulado total, MP10 e MP2,5, em conjunto com colegas da área de saúde “Minha suspeita era de que a fuligem da cana continha HPAs [hidrocarbonetos policíclicos aromáticos – compostos químicos com reconhecida ação mutagênica e carcinogênica], já que eles são produzidos durante a combustão incompleta de material orgânico”, diz. 

Confirmada a hipótese, a pesquisadora selecionou 17 desses poliaromáticos, apontados como poluentes prioritários por agências ambientais internacionais, e iniciou uma série de estudos com amostras da fuligem da cana.