domingo, 18 de setembro de 2011

Reflexões de uma viagem à China: muitos próximos, apesar de tão distantes

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 213 da revista Somos Assim
    Em meio a uma viagem à China me é dada a possibilidade de refletir sobre como sociedades tão distintas – Brasil e China - estão sofrendo os mesmos riscos. Enquanto esperava uma conexão no aeroporto de Beijing, li  duas matérias publicadas em língua inglesa pelo jornal China Daily que logo me lembraram alguns dos problemas enfrentados pelo Brasil. A primeira matéria tratava dos problemas enfrentados pelos chineses graças à contaminação dos alimentos relacionadas ao uso de agrotóxicos, embalagens plásticas e por emissões industriais de metais pesados. Já a segunda, tratava da suspensão da exploração de petróleo na bacia de Bohai, em função de vazamentos nas plataformas de petróleo.  O mais interessante nestas duas notas estava na  forma crítica com que o próprio sistema de governo era tratado, visto que a idéia defendida era a de que os problemas estariam relacionados a uma baixa capacidade de fiscalização das agências governamentais. Nesta mesma toada havia ainda uma nota alertando os governantes de que o nível de aprovação popular ao governo, ainda que positivo, estaria se mantendo em níveis estáveis o que deveria ser visto com cuidado por potencialmente espelhar um distanciamento do povo em relação a seus governantes.
Não custar lembrar que a China é governada num sistema de partido único, onde o monopólio das decisões é facultado ao Partido Comunista Chinês (PCC). Ainda que na prática a economia chinesa siga os moldes capitalistas, este monopólio político do PCC não deveria possibilitar que críticas abertas ao governo estivessem à disposição de estrangeiros. Mas o fato é que estão, e é de se supor que as versões em chinês tragam conteúdo similar. Para mim, esta situação revela mais sobre nós do que sobre eles. Se tomarmos como exemplo a questão da contaminação dos alimentos por agrotóxicos e outros produtos químicos, não será difícil para a maioria dos leitores notar que este tipo de assunto raramente é tratado abertamente por nossa imprensa em geral, muito menos por publicações distribuídas em aeroportos. Aliás, para começar, nos aeroportos brasileiros, sequer existem jornais gratuitos que tratem das últimas noticias. Mas mesmo se nos ativéssemos aos jornais de grande circulação, as reportagens tratando do grave problema da contaminação alimentar são raras; o mais comum é vermos matérias sobre futilidades do que sobre algo sério como o envenenamento da comida que chega à nossa mesa todos os dias. O que me parece ainda mais peculiar é que até pouco tempo atrás, as elites brasileiras e seus porta-vozes na imprensa, adoravam apresentar a China e a Índia como exemplos de países com os quais não gostaríamos de sermos comparados já que, em tese, estaríamos num nível muito superior de desenvolvimento.
A notícia mais contundente que posso oferecer, graças a esta visita, é de que se o Brasil não abrir os olhos rapidamente, perigamos perder o trem da história para os chineses. O fato é que, apesar de se ver claramente que o salto chinês como potência econômica está criando uma série de clivagens sociais, ainda assim o nível de organização e a disciplina da população chinesa são impressionantes. Aliás, se eu tivesse que descrever o comportamento das pessoas que encontrei ao longo da semana que passei na China é que eles parecem nunca parar de trabalhar.  Aliás, pelo que eu pude notar, os chineses encaram suas tarefas, distribuídas numa jornada diária de trabalho que dura 12 horas, com um relativo senso de humor. Entretanto, o que me parece evidente é que se o PCC não resolver a crescente desigualdade de renda, a chance de se ter conflitos sociais graves na China é muito alta.
     As diferenças sociais aparecem não apenas nos preços das coisas nos shopping centers reservados a ricos chineses e visitantes estrangeiros, mas na disseminação de moradias de alto luxo. Aliás, o que mais me impressionou na paisagem da cidade de Yantai, localizada na costa norte da China, foi o grande número de novos arranha-céus, concluídos ou ainda em construção. Assim, como o valor da maioria dos salários beira o irrisório, apenas os novos ricos chineses deverão almejar ocupar uma dessas novas unidades. Para tornar esta equação ainda mais complexa, estas construções estão se dando à custa da ocupação de terras habitadas por populações tradicionais como agricultores e pescadores – aqui experimentei um novo deja vu. Aliás, tendo visto de perto a destruição de antigas moradias nas fronteiras de exploração imobiliária, fiquei com a impressão de que um forte programa de reparação também deve estar em curso. Afinal de contas, ninguém aqui iria aceitar passivamente ter de morar embaixo da ponte, como fazem muitos brasileiros todos os dias.
    E aqui podemos estar diante de um elemento chave para quem quer se debruçar sobre os impactos da globalização econômica, o de que esse novo ciclo de riqueza está se dando a um custo social e ambientalmente exorbitante, já bastante conhecido na história recente do capitalismo .  Assim, ainda que os níveis de resposta dos pobres sejam dispares, uma grande similaridade é que o aprofundamento dessa forma de geração de renda poderá ser acompanhado de graves conflitos sociais.