domingo, 12 de junho de 2011

A crise dos bombeiros expõe a miséria salarial do servidores públicos do Rio de Janeiro*

Marcos A. Pedlowski



    Minha experiência pessoal com o governo Sérgio Cabral me ensinou que em suas entranhas habita uma profunda ojeriza em relação aos servidores públicos estaduais. A impressão que tive em minhas longas tratativas com diversos secretários estaduais é de que, se pudesse, o atual governo terceirizaria todos os serviços públicos.  Essa impressão foi fortalecida quando em junho de 2010 estive dentro da Assembléia Legislativa, e assisti à aprovação de uma série de mensagens do executivo estadual concedendo migalhas de reajuste salarial, algumas dividindo os pequenos ganhos obtidos em até 48 meses. Entre estes casos estava a categoria dos bombeiros militares, que recebe atualmente os piores salários pagos a esta categoria em todo o Brasil, e que continuará nesta condição pelo menos até 2014 se nada for feito.

   Assim, a crise que agora foi exposta pelos confrontos ocorridos no Quartel Central do Corpo de Bombeiros não me surpreendeu. Mesmo porque o movimento salarial que os bombeiros vinham promovendo ganhou bastante visibilidade nos últimos meses.  Tampouco o movimento deve ter surpreendido o governador Sérgio Cabral e seu secretariado. Mas, em vez de procurar soluções negociadas, a postura adotada pelo governo do Rio de Janeiro foi a de simplesmente ignorar um movimento que estava crescendo em visibilidade e número de pessoas se manifestando nas ruas do Rio de Janeiro.

    O governador Sérgio Cabral, a bem da verdade, teve uma manifestação pública sim, mas não no sentido de resolver os graves problemas salariais que estavam na base do movimento. Cabral, em um de seus arroubos de criatividade, aproveitou o lançamento da Campanha “Rio Sem Homofobia” para anunciar que policiais e bombeiros poderiam ir uniformizados à Parada Gay, utilizando inclusive viaturas das duas corporações.  O que poderia ser um gesto de boa vontade e liberalidade, em que pese a ilegalidade do uso das viaturas do Estado para uma atividade privada, acabou sendo visto por muitos bombeiros como mais uma provocação de um governador insensível às suas demandas.

     Mas agora que o conflito eclodiu e ficou escancarado após o uso da tropa do Batalhão de Operações Especiais (Bope) para desalojar os bombeiros que haviam ocupado o Quartel Central, qual foi a resposta do governador? Como já havia feito em uma ocasião anterior, quando rotulou de “vagabundos” os médicos dos hospitais públicos estaduais, Cabral preferiu adjetivar os bombeiros como “vândalos”, “amotinados”, “irresponsáveis” e “covardes”. Em seu primeiro discurso depois dos enfrentamentos, Cabral também passou a negar o óbvio ao afirmar que os salários dos bombeiros fluminenses não são os piores do Brasil, quando o são. Além disso, em vez de apontar para soluções para as demandas concretas dos bombeiros, Sérgio Cabral resolveu apenas substituir o comandante geral da corporação, além de ordenar o início de inquéritos disciplinares para punir os bombeiros que foram presos pelo Bope no processo de retomada do quartel geral.


      Em seu esforço de resposta a uma crise, que eclodiu quando o secretário Sérgio Cortes, responsável pela esquisita secretaria de Saúde e Defesa Civil, se encontrava nos EUA num momento claramente inoportuno, o governador Sérgio Cabral procurou ainda lançar a culpa dos problemas que estão afetando o Corpo de Bombeiros a seus inimigos políticos, supondo que estariam manipulando um grupo minoritário de “vândalos irresponsáveis”. Apesar deste tipo de tática ser comum a governantes que se vêem em apuros, o seu uso também não é positivo neste momento, visto que só acirra ânimos que já estão claramente acirrados.  Se ao menos o governador tivesse aproveitado os microfones para nominar tais políticos, talvez tivéssemos o benefício de poder comparar as ações tomadas por cada governo no tratamento dos servidores públicos, e dos bombeiros em especial. Ao não nominar os eventuais responsáveis pela suposta manipulação dos bombeiros, o governador Cabral perdeu uma valiosa oportunidade de contribuir com o amadurecimento político de nossa população.

    Apesar de reconhecer que o momento é difícil devido à posição inflexível do governo estadual, espero que nas próximas semanas sejam dados passos para aliviar a situação salarial e trabalhista dos bombeiros militares. Do contrário, o que poderemos ter é um aprofundamento de uma crise que já é grave. Pior será se for feita uma opção pela realização de uma caça às bruxas penalizando as lideranças do movimento salarial dos bombeiros. Ainda que isto possa trazer resultados imediatos no sentido de calar a categoria, os prejuízos em longo prazo certamente serão mais graves. Afinal de contas, não há como esperar que profissionais colocados para realizar atividades em situações normalmente extremas possam se contentar em não ver suas demandas atendidas e, ainda por cima, ver seus representantes punidos.

     Finalmente, creio que, também baseado em minha experiência com outros segmentos do funcionalismo estadual, é seguro afirmar que a crise dos bombeiros é apenas a ponta de um longo iceberg de descontentamento e irritação. Assim, que ninguém se surpreenda se em breve outras categorias venham a tomar as ruas. Afinal de contas, os bombeiros não são os únicos servidores fluminenses que recebem os piores salários brasileiros.
    
* Publicado originalmente na edição 199 da Revista Somos Assim